terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Técnico', Vidal assumiu riscos para moldar novo estilo no basquete brasileiro

Fino, inteligente, ousado, educado, corajoso. Ary Vidal, comandante da seleção brasileira de basquete em momentos marcantes do esporte no país, foi uma miscelânea de adjetivos que se repetem na boca de quem conviveu de perto com o técnico. 

Mas talvez seja justamente um substantivo, sem nenhuma pompa, sem nenhum glamour ou tom elogioso implícito, o mais preciso e caro a Vidal, que morreu nesta segunda-feira, aos 77 anos, no Rio de Janeiro. Técnico.

“Ele não era um treinador, era um técnico. Treinador é quem treina o time, técnico é quem comanda”, define Guerrinha, armador da seleção brasileira nos Jogos Pan-Americanos de 1987, a conquista mais festejada do basquete no país. 

Divulgação NBB
Ary Vidalm, ex-técnico da seleção brasileira, no Jogo das Estrelas da NBB
Ary Vidalm, ex-técnico da seleção brasileira
Vidal foi técnico da seleção brasileira por 121 partidas, com 92 vitórias e 29 derrotas. Era ele o comandante no histórico Pan de Indianápolis, mas também no igualmente heroico bronze no Mundial das Filipinas, em 1978. No Pan de 1979, nas Olimpíadas de Seul, em 1988 e Atlanta, em 1996. 

Foram quase duas décadas de seleção brasileira, em quatro passagens. Na primeira delas, Vidal renovou a seleção com jovens como Oscar e Marcel, apostando em uma nova geração para o Mundial de 1978. “Ele levou o Hélio Rubens e o Carioquinha, que eram mais antigos, e levou os cinco titulares do time juvenil. Eu era o mais fraquinho deles, mas ele apostou em mim”, lembra Eduardo Agra, comentarista dos canais ESPN. 

A seleção terminou com um terceiro lugar – foi a última vez que chegou ao pódio em Mundiais – graças a uma cesta de Marcel, no segundo final, pouco à frente do meio da quadra. Uma cesta que parecia fruto do acaso, mas que era treinada exaustivamente. E que viraria a marca do basquete brasileiro nos anos seguintes. 

O arremesso de Marcel em Manila, contra a Itália, com o cronômetro zerado, seria a marca de um estilo de jogo que Ary Vidal implantaria na seleção nos anos seguintes. “Ele usava as peças que tinha. E tinha dois grandes arremessadores, Oscar e Marcel. O time passou a ser construído em torno dos dois”, lembra Guerrinha, que se juntou ao grupo em 1985, já na segunda passagem de Vidal. 

Um ano antes, em 1984, foi instituída a linha de três pontos para competições internacionais. “O Ary teve coragem e passou a explorar essa linha dos três pontos. Ele foi contra todos: contra imprensa, contra outros treinadores, com jornalistas. A gente treinava aquilo e fazia”, afirma Oscar, cestinha da seleção brasileira daquela geração e um dos melhores amigos de Vidal. 

Getty
Oscar teve a carreira diretamente influenciada por Ary
Oscar teve a carreira diretamente influenciada por Ary
Fora da quadra – Os feitos de Ary Vidal na quadra – ou ao lado dela – são notáveis e notados, estão escritos na história. Mas quem conviveu com o técnico durante a vida que ele dedicou ao basquete faz questão de ir além. 

“Aprendi muito com ele fora da quadra. Coisas para a vida, mesmo. Ele era inteligente, educado, fino. Talvez fino seja a palavra que melhor defina o Ary”, afirma Eduardo Agra.

Para Hélio Rubens, que foi comandado por Ary na seleção brasileira e depois acabou se tornando adversário como treinador, o que diferenciava o técnico era justamente o aspecto pessoal. “Ele sempre deu muita liberdade para que todos dessem opiniões e tinha um bom relacionamento com todos os jogadores. Isso era fundamental.”

Israel, outro titular daquele Pan de Indianápolis, usa outro adjetivo para definir o técnico. “Carismático. Ele fazia com que a seleção tivesse um clima muito bom entre todos os jogadores, sempre. E além da competência, ele ainda tinha sorte”, lembra.

Dizer que Ary Vidal era sortudo não é, de forma alguma, uma forma de diminuir seus feitos. Até porque a sorte, na carreira no técnico, aparecia em momentos decisivos, aqueles aos quais só se pode chegar mostrando competência e comprometimento. E isso, nunca faltou. “Em todos esses anos, ele passou a mensagem do comprometimento do esporte”, afirma o ex-pivô Gerson Victalino. 

Comprometido, sortudo, atencioso, carismático. A coleção de adjetivos que definem Ary Vidal se estende a cada depoimento, a cada conversa. Mas a palavra que melhor retrata o homem que mudou a cara do basquete brasileiro continua sendo um substantivo: técnico