segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Vocação e talento

Explicar o futebol jogado pelo Barcelona como exceção é a forma mais preguiçosa e simplista de refletir sobre o conteúdo do time catalão. O espetáculo da era Guardiola supera o resultado de uma partida, é uma filosofia baseada na visão menos tecnicista e mais humana do esporte. Multidisciplinar e complexa, é a fermentação do tempo e do conhecimento.

A vitória sobre um time brasileiro e o recesso do futebol no País deram vigor ao debate. Houve quem atribuísse a goleada à complacência santista, à falta de violência. Quanta pobreza, enquanto o Barça nos ensina seus valores, a contrapartida nacional é o discurso primitivo.
Ignorar a complexidade da performance e do treinamento é uma forma de evitar pensar sobre o que importa. Deve existir uma explicação para tanta vocação e talento. E são várias, individualmente incompletas, porém perfeitas quando aplicadas em conjunto.
Jordi Mestre, diretor de La Masía, mostrou no início do mês, no Rio de Janeiro, como funciona a gestação de jogadores nas divisões de base do clube catalão. Por dez minutos apresentou apenas imagens de Lionel Messi.
Num primeiro momento, exibir a eficácia do projeto pelo viés do gênio parecia equivocado. Xavi, Fábregas e Iniesta explicariam melhor a maternidade de craques do Barça.
Alguns minutos depois havia uma resposta no telão de uma imponente sala do Copacabana Palace. O argentino executa, desde os 13 anos, as mesmas jogadas, dribles e passes em diagonal para a infiltração de um companheiro na área.
Muitos de seus atuais parceiros estavam lá, ajustando a ideologia do jogo catalão, crescendo ao lado dele, incorporando valores do barcelonismo, respeitando a instituição. Você deve imaginar o que se passa com um menino desses quando chega ao time principal.
Jordi deixou bem claro: em La Masía não se discute a classificação de campeonatos. Inicialmente, o resultado está em segundo plano, a meta é sedimentar o estilo, o passe, o ingrediente fundamental e também o mais saboroso da posse de bola.
"Primeiro definimos como queremos jogar, depois que tipo de jogador vamos produzir", afirmou o dirigente. A melhor parte, entretanto, estava nas desculpas de treinadores e cartolas brasileiros presentes ao evento: a pressão por resultados. Eles não entenderam, a conversa era sobre como jogar, qual a proposta. O problema é que não temos nenhuma ideia sobre isso.
Desde 1994 Francisco Seirul·lo Vargas dita os caminhos da preparação física do Barcelona. Trata-se de um renomado professor universitário, aceito pela teoria e confirmado pela prática no time que utiliza a periodização tática como base do treinamento, que passa mais tempo no campo ensaiando como jogar do que nos ginásios, num sistema que se assemelha ao futsal.
Vários caminhos levam à vitória, mas não custa aprender com a exceção e manter a mente aberta ao conhecimento, sem preconceitos.