quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Mudança impossível

Ugo Giorgetti é cronista sensível e de refinada ironia. Domina como poucos a arte de manejar as palavras. É também provocador perspicaz. Tanto que, em sua crônica de domingo, defendeu a tese de se repensar a possibilidade de trocar de time, uma vez que se abre mão de tanta coisa na vida. Ou seja, insinuou a derrubada de uma das poucas certezas que se carrega até para a eternidade. Termina o texto brilhante com a sugestão de nos perguntarmos por que não cogitar da mudança de cores clubísticas.

Respondo ao caro Giorgetti que a proposta é inexequível, inimaginável, impossível. Para onde eu empurraria a emoção de entrar no Pacaembu pela primeira vez, aos 9 anos de idade, de mãos dadas com meu pai, depois de ter encarado a aventura de sair do Bom Retiro na carroceria do caminhão do meu tio com o coração disparado e bandeirinha na mão? Para qual limbo emocional confinaria a alegria de ter visto, naquela noite mágica, meu time campeão, assim, de cara, logo na minha estreia em estádios?
O que fazer da lembrança da madrugada insone, deitado na cama com a camisa gloriosa do meu clube no corpo e a reviver as jogadas e os gols dos heróis que até hoje cultivo? E os recortes do Estado, da Gazeta Esportiva, da Última Hora, da Folha da manhã seguinte, amarelados e guardados como tesouro, sem que ninguém, exceto o João (meu primogênito e herdeiro na mesma paixão ou sina, sei lá), tenha o direito de manusear? E o que me fez chorar a narração poética e envolvente do Fiore Gigliotti? Em que onda nos ares ela se dispersaria?
Gostaria que o amigo Giorgetti me informasse onde jogaria a memória do dia triste, anos mais tarde, em que minha equipe perdeu título importante, inédito e que lhe traria prestígio internacional? Quase despedacei o radinho Mitsubishi de 6 ondas curtas e médias - fora a novidade do FM - que havia ganhado no Natal. E ainda assim, no outro dia, lá ia eu para o Liceu Coração de Jesus com olhos inchados de chorar, mas com a camisa número 2 por baixo do uniforme.
Aquele golpe poderia ter sido fatal, ainda mais em início de adolescência. Que nada! Só reforçou a convicção de que estava tomado por amor duradouro, imutável, forte o suficiente para enfrentar outras decepções idênticas. Quantas vieram e se repetiram ... quanta gozação a suportar, quanta raiva a triturar... perdi a conta. Sei que sempre resisti, e era sentimento diferente da paixonite aguda por alguma garota, que meses e frio na barriga depois passava e era substituída por outra. E assim sucessivamente.
Paixão pelo time, essa permaneceu inalterada, apesar das oscilações do maledetto. Nas minhas muitas décadas de vida, vi meu clube subir, descer, ganhar e perder taças, revelar ídolos, contratar trastes, ter dirigentes atrevidos e cartolas pífios. Eu o vi ceder muitos jogadores para a seleção - até treinador! - ou ser esnobado pela amarelinha. Tanto faz, o considero acima dela. Virou coadjuvante e esquadra de segunda linha? Pra mim, jamais deixou de ser protagonista. Essa história não só é minha, é universal, de milhões e milhões de fãs do futebol.
Não sei se é sinal de masoquismo. Nem me importa. Como lembrou o Giorgetti, o sujeito pode mudar de nacionalidade, religião, partido político, mulher, sexo. Não há problema, acontece. Mudar de time é falta de fibra, de caráter. É ter sangue de barata. É não gostar, de fato, da magia do joguinho de bola.
Equipe é como mãe: a gente só tem uma. Não engulo o papo de "em São Paulo sou este, no Rio aquele, em Milão aquele outro." Tem cara que torce até por times da Finlândia, de Malta! Isso é promiscuidade inaceitável. No futebol, o amor é único!
Digo ao Giorgetti que por meu time vou a pé para o que der e vier, pois é imponente e sabe bem o que vem pela frente. É campeão dos campeões, orgulho do esportista do Brasil. É forte, é grande, dentre os grandes é o primeiro. Agora é ele quem dá bola. É meu maior prazer vê-lo brilhar. Por ele hei de torcer, torcer, torcer, até morrer, morrer, morrer.
Haja adrenalina. O campeonato não se decide hoje e continuará firme a briga entre Corinthians e Vasco pela hegemonia. Ambos têm condições de vencer, o líder em Fortaleza e o vice no Pacaembu. Mas ambos correm perigo. O Corinthians, com seus desfalques, por pegar um Ceará ainda com esperança de salvar-se. O Vasco, por ter pela frente um rival fragilizado, imprevisível. E por isso tinhoso.